sábado, 20 de julho de 2013

Roma, Cidade Aberta: A Arte Concreta


Uma das obras-primas do cinema mundial e o marco do cinema neo-realista italiano, Roma, città aperta (1945), do premiado cineasta Roberto Rossellini e roteiro com colaboração de Fellini, um dos gênios do cinema, pode ser considerada uma obra de caráter documental, de um cinema que leva a arte a expressão real, crua, de uma Roma ainda com feridas não cicatrizadas, literalmente “abertas”.

Uma das mais belas e trágicas cenas do cinema: Pina, interpretada por Anna Magnani, é morta. 
O filme é sensibilidade crua. Rossellini faz brotar sentimentos, da magnitude da guerra e de seus personagens reais.  Não há artifícios, nem grandes estrelas, a película é, literalmente, a arte encontrando a realidade ou então, a realidade encontrando a capacidade artística da sétima arte. Arte transplantada de uma experiência real.

Filmado dois meses após a liberação da Itália, em meio as ruínas e a precariedade material, Rossellini viu-se em meio a muitas dificuldades financeiras, o que fez com que as filmagens se arrastassem por meses. Os atores não-profissionais, com exceção de Anna Magnani e Aldo Fabrizi, dão um tom muito mais realista ao filme. Seus personagens são marcantes, embora não conheçamos sua história, ou seja, seu início e muito menos seu fim. Talvez seja essa característica, a de não conseguirmos ver um protagonista, que faz da obra um retrato fidedigno de uma sociedade sem esperança, que muitas vezes cai no desespero e pessimismo, assim como o retrato do sentimento aterrorizante das mazelas no nazi-fascismo. Eles, os personagens, ligam-se por histórias paralelas que, no fim, representam estratos da sociedade italiana da época.  

Marina: alienação
Seus personagens parecem reais, seus sentimentos se complementam numa diversificação de ações que resultam em várias perspectivas da população inserida na guerra. Há a resistência, unindo pessoas aparentemente muito diferentes, como o padre e o comunista. Há a mãe solteira, Pina, que é morta, dias antes de seu casamento com Francesco, um dos resistentes ao nazi-fascismo, numa das cenas mais marcantes do cinema. A ingenuidade na futilidade exemplificada em Marina, interpretada por Maria Michi, que parece alienada em meio aos terríveis acontecimentos a sua volta e que apenas toma conta de seus atos quando parece ser tarde demais. Há a frieza do oficial nazista e sua secretária assistente, personagens com os quais Rossellini quer demonstrar a irracionalidade do nazi-fascismo, pois ao mesmo tempo que torturam, parecem se aterrorizar com a maldição proferida pelo padre Don Pietro, interpretado por Aldo Fabrizi. Parecem reconhecer o despautério de seu regime e temer por suas ações em um simples discurso divino, onde não se faz uso da razão. Portanto, Rossellini parece exemplificar o alicerce irracional do nazismo.

A execução do padre Pietro
O caráter participativo da Igreja Católica na questões de resistência ao autoritarismo parece ser recorrente nos filmes de Rossellini. Na famosa trilogia da guerra do diretor (além de Roma, cidade aberta, há Paisà e Alemanha, ano zero) encontramos a tentativa de participação na resistência e superioridade moral da Igreja em Paisà, quando franciscanos abrigam um grupo de capelães militares norte-americanos. Mesmo quando sabemos que grande parte da Igreja era aliada ao fascismo, Rossellini procura evidenciar a resistência daqueles que contrariaram a ordem vigente.

No momento em que o cinema tornava-se cada vez mais comercial, época de ouro dos filmes norte-americanos, Rossellini conseguiu produzir uma obra sem nenhum investimento. Roma, Cidade Aberta é atemporal, é de uma realidade que não possui final, é frustrante, como os muitos momentos da vida e, por isso mesmo, é bela. Não possui heróis conhecidos e sim grandes heróis encontrados no povo, nos desconhecidos pela história. Na cena final, talvez uma das mais emocionantes, há Roma ao fundo enquanto crianças caminham após presenciarem a execução do padre Pietro. Para qual futuro caminham? Perguntamo-nos.






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domingo, 14 de julho de 2013

Fotografia de Henri Cartier-Bresson

Nuvem passou; foi passageira.
Há passageira
Na próxima estação,
Do céu.
Trilhou
Trilharam o caminho.
Do trilho,
Vem o trem,
Percorrendo pessoas,
E caminhos
E estações
Paradas
Vazias
De passageiros!

domingo, 16 de junho de 2013

Van Gogh por Lautrec

Um dos pontos que mais me chamou a atenção na leitura de "Toulouse-Lautrec: Uma vida", de Julia Frey, foram as impressões de Lautrec acerca do ainda desconhecido, jovem e "estranho" Van Gogh. O semblante taciturno e as mãos tensas são retratados em um dos seus quadros, de 1887, intitulado Retrato de Vincent van Gogh. Esse sentimento de distanciamento da boêmia, da inabilidade e dificuldade social, o de não se sentir compreendido pelo mundo, e, a frustração por não ter sua arte reconhecida se faz presente não apenas nessa tela de Lautrec (que aliás, é um mestre em capturar a "aura" humana) mas, também,em um dos comentários de Suzane Valadon, uma das supostas companheiras de Lautrec.

Nas festas, aos sábados, no estúdio de Lautrec, Suzane lembra-se de encontrar um Van Gogh que, na minha impressão, estava ávido por algum tipo de aceitação, de acolhimento, talvez. Segue o registro de Valadon:

" Ele costumava chegar carregando uma tela pesada debaixo do braço, que colocava num canto bem iluminado e esperava até que alguém a notasse. Ninguém dava a mínima. Ele se sentava bem em frente do trabalho, examinando os olhares alheios e participando pouco das conversas. Por fim, enfastiado, ele ia embora, levando o último exemplar de seu trabalho. No entanto, voltava na semana seguinte e punha-se a realizar a mesma estratégia de novo".


Retrato de Vincent van Gogh (1887) por Henri de Toulouse-Lautrec
O retrato de 1887 parece ser uma homenagem a pessoa e arte de Van Gogh, pois Lautrec se utiliza do estilo artístico do holandês em vários quesitos, como a pintura em pastel, os formatos de vírgula das pinceladas, além dos diversos traçados coloridos. A personalidade, ou então, a visão de que muitos tinham de Van Gogh, parece ser muito bem demonstrada nesta obra. Quieto, triste e, como disse um dos seus colegas do estúdio Cormon, o pintor inglês A.S. Hartrick, aspecto "mirrado" e "abatido".

Van Gogh também apreciava a arte de Lautrec, já que quando seu irmão Théo comprou Poudre de riz (Pó-de-arroz), Van Gogh elogiou a obra de Lautrec e em carta sugeriu que seu irmão a deixasse exposta ao lado de uma obra sua, o Velho Camponês. O trecho da carta diz:

" Não acho que meu camponês prejudique o seu Lautrec se forem postos lado a lado, e até sou atrevido o suficiente para esperar que o Lautrec se destaque mais pelo contraste mútuo. Por outro lado, minha figura ganharia com a justaposição estranha, porque o aspecto bronzeado, embebido em sol e varrido pelo vento iria se mostrar de forma ainda mais efetiva ao lado de todo aquele pó facial e daquela elegância".


Pó-de-arroz (1887) Henri de Toulouse-Lautrec

Velho Camponês (1888) Vincent van Gogh




Ainda em 1888 Vincent decide mudar-se de Paris para Arles, no sul da França, terra natal de Lautrec. Não há nenhum registro de que Henry tivesse falado a ele que estaria no sul a possibilidade de construir o estúdio imaginado, a escola do futuro mas, como aponta Julia Frey, é provável que os dois pintores tenham conversado sobre isso e Henry, conhecedor dos "ares" do Sul, talvez o tenha influenciado na sua partida, pois imaginou que seria o clima e a luz do Sul o ar perfeito para a escola que Van Gogh almejava.

É em Arles que Van Gogh realiza a famosa série de três quadros intitulada Quarto em Arles, pintados em um dos cômodos, alugado, da A Casa Amarela, outra obra sua. E é, também, ao sol do Sul que Vincent pinta outra série de quadros retratando a natureza local, inclusive, um deles leva o nome do blog: Vista de Arles, Pomar em Flor.

Vista de Arles, Pomar em Flor (1889) Vincent van Gogh





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